Muitas fontes online falam sobre como o café passou a existir, se espalhou e floresceu no Brasil, mas poucas tratam dos primeiros anos - do que aconteceu logo após a chegada das plantas de café ao país. Ou seja, o verdadeiro começo daquela que viria a se tornar a maior e mais bem-sucedida nação produtora de café do mundo.
Tudo começa com uma missão secreta disfarçada de diplomacia. Em 27 de maio de 1727, o major Francisco de Melo Palheta - o homem encarregado de uma missão paralela para contrabandear discretamente grãos de café não torrados da Guiana Francesa para a Amazônia brasileira - retorna a Belém com cinco mudas. Oficialmente, ele havia sido enviado a Caiena para mediar uma disputa de fronteira1, mas, nos bastidores, seu verdadeiro objetivo era romper o monopólio francês sobre o cultivo do café. Embora uma versão popular diga que ele seduziu a esposa do governador francês e que ela, em segredo, lhe deu um punhado de sementes, documentos sugerem um desfecho mais prático: Palheta provavelmente negociou as plantas diretamente, mais tarde relatando a presença de mais de mil pés de café e 3.000 de cacau em sua propriedade.
Embora Palheta seja amplamente reconhecido como o introdutor do café no Brasil, há quem especule que a planta possa ter chegado antes por meio das redes comerciais globais de Portugal [1]. No entanto, não há evidência histórica ou botânica que sustente essa hipótese. Já em 1856, Francisco Freire Allemão rejeitava a ideia, e historiadores posteriores, como Taunay, também não encontraram registros de café no Brasil antes de 1727.
O que está documentado (ou ao menos amplamente citado) é que Palheta pode ter recebido instruções para agir de forma furtiva em Caiena. Segundo o livro Dos cafezais nasce um novo Brasil, de Ricardo Bueno, uma das versões da história inclui a seguinte orientação para pegar alguns grãos [2]:
Se acaso entrar em quintal ou jardim ou roça aonde houver café, com pretexto de provar alguma fruta, verá se pode esconder algum par de grãos com todo o disfarce e com toda a cautela.
No entanto, Bueno observa que essa versão (sem confirmar se as instruções citadas fazem parte dela) foi popularizada em 1868 por Camilo Castelo Branco, no livro Memórias de frei João de São José Queirós, bispo do Grão-Pará. A narrativa parece ter se baseado na tradição oral local, supostamente remontando a 17632.
Voltando ao registro histórico, o governador da capitania do Grão-Pará3 enviou uma carta a João V, rei de Portugal, informando sobre a chegada das mudas, bem como de “mil e tantas sementes”, entregues à Câmara de Belém para serem distribuídas entre os moradores e agricultores da capital. O próprio Palheta também pegou algumas amostras e as plantou em Vigia, uma pequena vila próxima à capital onde ele cresceu e passou a velhice.
Quatro anos depois, em 1731, o jornal oficial do governo português, Gazeta de Lisboa Ocidental, noticiou que o café havia chegado nos últimos navios vindos do Maranhão. Afirmava que o produto era superior ao do Mediterrâneo Oriental e que na região haviam colhido o equivalente a vinte navios. Esse fato indica o caminho que o café acabaria percorrendo à medida que se espalhava pelo Brasil: do Grão-Pará para o Maranhão, depois para a Bahia e, por fim, para o Sudeste em 1760.
Mas por que a Amazônia não ocupou o centro das atenções ao longo dos séculos como o berço e o melhor local para a produção de café no Brasil? O principal fator é simples: a região não contava com a estabilidade climática que tornaria o Sudeste tão favorável ao cultivo. Claro que, nas últimas décadas, práticas modernas de agrofloresta e avanços genéticos mudaram esse cenário.
A partir de cinco mudas e uma fronteira em disputa, o império cafeeiro do Brasil havia começado discretamente - não no Sudeste, onde viria a dominar, mas na Amazônia, onde - apesar de sua abundância de árvores e plantas - o café mal criou raízes.
Informação adicional
1 - A Semente do Ouro Negro - Docudrama (YT, 50m, PT-PT)
Fontes
1 - Já existia café no Brasil antes de Palheta?
2 - Dos cafezais nasce um novo Brasil, pg 55 (pdf)
3 - Gazeta de Lisboa Ocidental (pdf)
O Tratado de Utrecht de 1713 obrigou a França a reconhecer a soberania portuguesa sobre seu território na Amazônia
A leitura do texto sugere que a origem é um relato de segunda mão com 36 anos de defasagem, ou seja, de 1763, e não um registro documental direto
que incluía o que hoje são Pará, Amazonas, Amapá e partes de estados vizinhos