A ascensão de Matas de Minas - Parte 1
Superando o isolamento no coração cafeeiro de Minas
Situada nas terras altas de Minas Gerais, a 630–1.730 metros, Manhuaçu localiza-se na região cafeeira hoje conhecida como Matas de Minas. Historicamente parte da ampla Zona da Mata (mas agora classificada dentro do Vale do Rio Doce), essa cidade e seus arredores emergiram como um importante centro exportador de café para o Brasil.
Sua jornada rumo à proeminência no café foi moldada por restrições históricas, já que a falta de litoral em Minas Gerais forçava a dependência de portos distantes como Rio de Janeiro e Santos. Mas por que Minas foi privada de acesso direto ao mar, e como Manhuaçu conseguiu prosperar apesar disso?
Na década de 1500, as fronteiras coloniais do Brasil foram definidas pelo Tratado de Tordesilhas, limitando o controle de Portugal apenas à costa leste do continente. Espírito Santo, estabelecido como capitania em 1535, enfrentava ataques de corsários holandeses, espanhóis e franceses, exigindo uma supervisão portuguesa rigorosa. No início dos anos 1700, descobertas de ouro em áreas do interior sob a jurisdição frouxa do Espírito Santo levaram a Coroa a anexar essas regiões à Capitania de São Paulo e Minas de Ouro.



Em 1720, a capitania dividiu-se em São Paulo e Minas Gerais, com esta última produzindo 85% do ouro do Império Português. Para controlar as exportações de ouro e coibir o contrabando, a Coroa direcionou os embarques pelos portos do Rio de Janeiro, impondo pesados impostos e bloqueando o acesso de Minas Gerais ao mar, a apenas 100 km via Espírito Santo. Após o declínio do ciclo do ouro nos 1790s, Minas Gerais voltou-se para pecuária e agricultura, com o café tornando-se a principal exportação do estado em 18301. A Zona da Mata liderou essa transição, aproveitando terras férteis, mão de obra abundante de ex-escravos da mineração e altos preços globais do café.
A primeira menção ao café em Minas foi feita por um cartógrafo em 1788, seguida por um historiador em 1801, que escreveu que era uma exportação lucrativa para a Europa [1]. No entanto, ainda não era a força motriz que representaria na economia do Brasil.
O primeiro ciclo cafeeiro no Brasil, de 1830 a 1850, exigiu aprendizado, pois a agricultura de queimada, impulsionada pela monocultura do café, causava rápida exaustão do solo. Florestas eram desmatadas, solos eram usados sem descanso ou recuperação, e novas terras eram abertas para cultivo. Isso começou no Rio de Janeiro e avançou para a Zona da Mata, levando o presidente da província de Minas Gerais, Costa Pinto, a declarar em 1838:
O lavrador intelligente, e abastado costuma ter em reserva uma parte de suas terras; mas sabe prepara-la d`antemão para ser vantajosamente cultivada em occasião opportuna; o nosso lavrador tudo espera só do tempo. Dest`arte tem-se visto desapparecer pouco a pouco magníficas florestas, e o solo cobrindo-se de arbustos inuteis, e mesmo damnosos, vai perdendo sua primitiva fertilidade [1].
O cultivo avançou pela Zona da Mata, começando pela borda sul, próxima ao Vale do Paraíba, depois pelo centro e, finalmente, ao norte, onde está o Vale do Rio Doce. Décadas depois, grandes propriedades deram lugar a pequenas fazendas familiares, em grande parte devido à Lei de Terras de 18502, antes do segundo boom do café (1880–1930). O terreno cada vez mais acidentado, de áreas planas a zonas montanhosas, e a transição do sistema de trabalho, da emancipação parcial em 1871 à abolição total em 1888, favoreceram o surgimento de pequenos agricultores.
Em Manhuaçu, que significa “rio grande” em tupi, provavelmente havia um povoado indígena antes da chegada de exploradores em busca de ouro e mão de obra indígena no século XVIII. Com o declínio da mineração, a região, ao longo da rede de tributários do rio Doce, voltou-se para a agricultura, como a poaia (raiz medicinal) e o café. O Caminho Novo3, aberto no início dos anos 1700, atravessava a região e atraía colonos para a Zona da Mata, impulsionando as oportunidades agrícolas [3].
No entanto, o Caminho Novo era longo, não conectando diretamente o Rio de Janeiro às principais regiões agrícolas de Minas Gerais, Sul de Minas e Campo das Vertentes, tornando-se menos eficiente no século XIX. Em 1811, o Caminho do Comércio o complementou, conectando melhor essas áreas à costa [4].
A transição da Zona da Mata de grandes propriedades para pequenas fazendas familiares, especialmente com o avanço do cultivo para o norte, preparou o terreno para o papel de Manhuaçu nas Matas de Minas, onde a geografia e o clima únicos impulsionaram seu sucesso cafeeiro. As características distintas e as contribuições dessa região para a dominância do café em Minas Gerais merecem uma exploração mais detalhada.
Matas de Minas
Matas de Minas, abrangendo 64 municípios (52 na Zona da Mata e 12 no Vale do Rio Doce), apresenta paisagens da Mata Atlântica e bacias hidrográficas. Sua sub-região sul é drenada pelo sistema do rio Paraíba do Sul e está na Zona da Mata, enquanto a sub-região norte é alimentada pelos tributários do rio Doce e se estende ao Vale do Rio Doce4.
A nomenclatura Matas de Minas não é exatamente histórica5. Em 1995, Minas Gerais designou quatro regiões cafeeiras (mostradas abaixo, na imagem superior), incluindo Matas de Minas6. Ocupando apenas 3% do estado, Matas de Minas gera 24% do café de Minas Gerais. No total, Minas Gerais contribui com quase 50% da produção atual de café do Brasil, sendo a principal região produtora de café do mundo.
Mas o que torna essa parte do Brasil especialmente propícia para tal agricultura? Em 1929, no livro Minas e o Bicentenário do Cafeeiro no Brasil, 1727/1927, o engenheiro civil Aristóteles Alvim explicou a adequação da histórica Zona da Mata para o cultivo de café:
Toda a zona está magnificamente protegida, quer contra os ventos frios do sul, produtores de “geada de vento”, quer contra os ventos salmorosos [sic] do mar, flagelo dos cafezais da costa. Ao longo desta, guardando uma distância entre 100 e 300 quilômetros do oceano, correm anteparos naturais das serras dos Aimorés e do Mar, que regulam os ventos marítimos, tornando possível um regime de aquecimento e umidade uniforme e conveniente em toda a zona cafeeira do leste do Estado. Também as “geadas brancas” são desconhecidas [5].
Essas condições favoráveis permitem que a região de Matas de Minas cultive quatro variedades principais de café de alta qualidade: catuaí, catucaí, bourbon e até catimor. Sua produção total anual é de cerca de 7-9 milhões de sacas de 60 kg, em uma área de 275.000 hectares. Isso abrange 36.000 produtores – 80% dos quais são pequenos agricultores – e gera 231.000 empregos, diretos e indiretos. Mas nem sempre foi assim.
Nos primeiros tempos, o café era levado aos portos por mulas e, mais tarde, por trem. A história de como as ferrovias chegaram à região, assim como as tentativas de criar um atalho para transportar o café até o Espírito Santo, é explorada na Parte 2.
Informação adicional
Para esclarecer, a Zona da Mata é tanto um termo histórico (abrangendo todo o leste de Minas Gerais) quanto um termo atual (para designar uma região sudeste do estado). Manhuaçu começou como parte da Zona da Mata, mas passou a integrar o Vale do Rio Doce em 1960. A maior parte da região cafeeiro das Matas de Minas está localizada na atual Zona da Mata, enquanto o restante se encontra no Vale do Rio Doce.
Fontes
1 - Os primeiros tempos do cafe na Zona da Mata mineira
2 - Caracterização e Meio Ambiente
3 - 'Estrada real' do comércio no Brasil Colônia é revitalizada
4 - Matas de Minas official site
5 - História do café das matas de Minas
Altos custos de importação de alimentos, com o fim do ciclo do ouro, levaram colonos à agricultura, beneficiando a subsistência e a economia da região
A Lei de Terras permitiu a legalização de posses "pacíficas e pacificadas", possibilitando que primeiros e segundos ocupantes reivindicassem terras cultivadas ou parcialmente desenvolvidas, incluindo áreas virgens, desde que estabelecessem residência.
ligando Ouro Preto ao Rio de Janeiro para transporte mais rápido de ouro, substituindo o mais longo Caminho Velho para Paraty.
distinta da Zona da Mata
Embora um livro de 1934 do Departamento do Café mencione o termo “Mata” de Minas.
originally called “Montanhas de Minas” (1995-2001)